Carmen Zaglul

PORTFÓLIODESENHOFOTOGRAFIAPOESIA

Nasci no Líbano mas a minha infância foi na Costa Rica. Minha influência mais importante é ter crescido num país sem medo, sem guerra, sem exército, atravessar a rua para ir ao mercado de mãos dadas com minha avó e meu avô. Ir ao banco ao lado de casa para depositar dinheiro ganho com a fada do dente. Lembro até hoje foi meu avô que me ensinou a guardar dinheiro para conseguir viajar mundo afora! Dele herdei uma forma de sensibilidade que desenha a minha veia artística.

Da Costa Rica herdei também a possibilidade de viver num mundo onde a mulher tem a sua autonomia, e a cultura da paz. O Líbano é a minha terra o lugar que tem impressa minha digital, a Costa Rica é a minha irmã brincalhona. Estive muito em contato, tanto pela minha avó, tanto pela cultura costarriquenha e árabe cristã, com os rituais católicos, que incluíam o uso de incenso, arte sacra, procissões, que me atraíam e envolviam pela capacidade de expressar e reviver rituais ancestrais.

O Líbano, a ideia do Líbano, traz para mim um sentimento forte de saudade, a impossibilidade de morar na terra que me viu nascer é um elemento forte no meu imaginário, somado ao desejo de voltar, sempre voltar, que se mistura com os cheiros, as cores e o sons são a raiz da identidade dos meus sentimentos na hora de criar, e são claramente expressados nos meus traços (arabescos), na necessidade de expressão do feminino, no uso de diferentes técnicas e as cores ou ausência delas.

Já o Brasil, onde moro atualmente, me deu o maior presente de todos: me entender como artista. No Brasil eu acreditei em mim mesma. Cheguei no Brasil há uns quinze anos. Após morar nove anos em São Paulo, mudei para Florianópolis em 2015, definitivamente dois grandes movimentos e uma nova grande mudança! Criar já precisa de um movimento interno então, chegar nesta terra maravilhosa, só podia trazer grandes novas manifestações. Por um lado, vim com a minha companheira, formando uma nova família, por outro o desafio de enfrentar a uma cidade cheia de estímulos para o artista, São Paulo, uma cidade que de fato dá valor a arte, desde a arte de rua, até as grandes galerias. Precisava estar pronta para resinificar. E assim foi!

De cara, me senti atraída pela efervescência da cidade, aditivamente caótica, que como muitos dizem, ou você ama, ou você odeia. Eu me apaixonei. O caos da cidade conectou com o meu próprio caos para gerar minha cura interna, através da arte. Precisei aprender uma nova língua, e todas as nuances dessa aprendizagem foram acrescentadas a minha bagagem. Ao mesmo tempo, descobri que essa terra tem muito de mim. Nessa grande cidade, existe uma influência libanesa enorme, o que me fez me sentir ainda mais em casa, e inerentemente com abertura maior para explorar coisas novas sempre.

De repente abriu-se um mundo de novas possibilidades. Fiz várias exposições, montei a minha empresa (arte e conteúdo editorial empresarial). Através das minhas imagens e do uso da linguagem fotográfica, desenvolvi alguns projetos vinculados à causa d’água. Vi que neste país as pessoas acreditam no papel do artista. Um aspecto marcante para mim da cultura brasileira é o encontro e a convivência de tantas religiões. As crenças e rituais diferentes que conheci aqui, e que são vivenciadas com tanta naturalidade, ressonaram com todo meu fascínio por essas questões.

Enfim, o Brasil começou a gerar uma série de oportunidades de ir juntando os pedaços, os meus pedaços. O Brasil é o catalizador da minha identidade como artista. É o continuum, é um povo que vive em constante renovação, um país que se redescobre, e eu com ele.

A bagagem de sonhos que carrego e o imaginário das três diferentes culturas com as que tenho tido a sorte de conviver são uma grande influência.

Além do ambiente em que vivi e vivo, Gustav Klimt, Frida Kahlo, Khalil Gibran, Picasso (principalmente os desenhos), Van Gogh, são alguns dos artistas que me inspiram de alguma forma. Os grafites ou ‘street art’ tem sido sempre uma grande influência, assim como a pintura corporal. Ao longo da adolescência e a juventude, teve muito contato com as expressões artísticas e culturais da América Latina, por exemplo a música trova e a literatura, autores como Silvio Rodriguez, Júlio Cortázar, Ernesto Sábato. Influências brasileiras fortes como Hilda Hilst, Clarice Lispector, Caetano Veloso, Chico Buarque…

A minha inspiração é a minha necessidade de “pôr para fora” o que sinto. As conexões entre o coração, a mente e corpo estão representadas nas linhas e espirais… o mundo profundo, a mãe terra, os animais, o mundo superior e o ritual ancestral. Sobre o meu processo criativo, ele está relacionado sempre com um sentimento, uma necessidade, começa geralmente com o desenho de um corpo e a partir dele, o próprio desenho vai falando… Trabalho geralmente a noite, madrugada adentro, quando está tudo bem quieto… é quando me escuto melhor.
Muitas vezes escrevo um poema e depois desenho ou pinto encima dele.

Defino minha arte como Libertação: a salvação de mim mesma. Mas a arte é movimento puro e, sendo assim, ela é um elemento desafiador e impulsionador de mudança. No meu caso, a minha própria mudança, no caso dos outros, como eles queiram interpretá-la! A arte é cura. Quando uma cultura deixa de estar em contato com a arte, começa a adoecer. Uma sociedade sem artistas é uma sociedade sem “curadores”, sem pessoas que curem. Qualquer um que se liberte através de uma manifestação artística, está no processo de cura, a sociedade precisa de mais artistas, mais pessoas que consigam se conectar com esse movimento interno. A arte conta nossa história através do tempo, a arte une as nossas paixões. A arte nos ajuda a entender nossa ‘humanidade’.

Um artista deve ser quem ele realmente é, e expressar isso por meio da sua arte, sem medo. Seu principal papel é experimentar e criar pelo simples prazer de criar! Isso nos lembra que viemos nesse mundo para sermos felizes, relembra a beleza que existe no entorno, cutuca as pessoas a enfrentarem a si mesmas. Isso é desenvolvimento e cura.